Capitulo 2 – “Uma Ferida”
Os dias passavam e rapidamente.
Criei uma forte ligação com a velhinha simpática que me acolheu como se fosse seu filho. Parecia que aguardava já o meu regresso à anos, pois a minha companhia parecia magia para ela, juro que ela até parecia mais nova que os meus tios, com um ânimo e uma energia, por vezes, superiores à minha.
Reparei que naqueles 9 dias que já lá tinha passado, ninguém tinha vindo visitar a senhora, era apenas eu e ela naquela casa, e isso dava-me um sentimento imenso de preocupação e tristeza.
Como é possível não sentir saudade daquela pessoa tão sábia, forte e alegre? Será que antes de eu chegar, ela estava sozinha por esta terra, simplesmente a viver mais um dia e a recordar o amor do passado?
As vezes quando ela me prepara o leitinho com chocolate quente à noite, até me apetece apertá-la num abraço forte e dizer-lhe o quanto ela é valiosa.
Por muitas actividades que tenhamos, por muitas distracções que o dia-a-dia nos proporcione, tenho a certeza que ninguém é verdadeiramente feliz sozinho. “A felicidade só é verdadeira quando partilhada” já dizia o aventureiro.
Hoje levantei-me da cama muito cedo, estava farto de dar voltas na cama, o telefonema da minha tia de ontem à noite tinha mexido comigo.
[Flashback]
-“Estou? Tia que saudades que tenho tuas! Como estás? E o tio?”
A minha tia responde com voz áspera:
-“Como achas que nós estamos Kim? Sinceramente como pensas tu que nos sentimos em ter-te longe?”
-“Tia eu sei que esta a custar mas…”
-“Não há mas Key, não encontro explicação para essa tua aventura, eu e o teu tio somos os teus pais, nós é que te criamos, nós que te demos tudo o que precisavas, nós é que fizemos de tripas coração para te fazer sempre o mais feliz e completo possível, nós é que precisamos de ti aqui, ao nosso lado!”
Não consegui conter as lágrimas e custava manter a coerência na minha voz, sentia que tinha levado um estalo na cara:
-“Agradeço tudo o que fizeram sempre por mim, mas agora tenho que andar pelo meu pé, a minha decisão está tomada, eu voltei à nossa antiga terra, estou a formar aqui uma vida, estou a criar a minha independência e estou a conseguir conhecer os meus pais… Se achas que não tem cabimento nem lógica, se não consegues entender a minha decisão, então não sei mais o que te possa dizer, penso que já o disse tudo…”
Pib Pib Pib
[fim do flashback]
Saí de casa sem comer nada.
Caminhava pela rua como se os meus pés pesassem chumbo. Ao chegar ao parque, sento-me num banco do jardim, tentava achar na névoa da manhã um raio de sol que me fizesse ter ânimo para ir trabalhar.
Tinha arranjado emprego numa frutaria/loja de sumos ali do largo, não era nada que me desse assim muito trabalho apesar de basicamente ser sempre eu a atender os clientes pois a rapariguita que trabalhava comigo tinha uma camada de preguiça em cima que metia dó.
Quando ia a ver se tinha dinheiro ali comigo para tomar um café, deparo com a fotografia que tinha achado no meu novo quarto, não resisto em tirá-la da carteira para a contemplar mais uma vez era mesmo perfeita e especial.
Assim que olhei em frente via o “gang do largo” a aproximar-se. O tal grupo de rapazes que costumavam evadir o meu largo e possivelmente os responsáveis pela sua destruição. Se por acaso não foram eles que destruíram o meu paraíso, são destruidores na mesma, pois acabaram de destruir o meu estado de moderada paz.
Apresso-me para sair dali, tudo o que NÃO precisava agora era de deparar com a cara daquele papagaio de franja amarela que me enerva da cabeça aos pés.
Esgueiro-me rapidamente para a minha loja e repugno pelo vidro o grupo a apoderar-se do jardim.
O dia estava secantemente calmo, não havia muita clientela e eu estava quase a adormecer a olhar para a vidraça da montra da loja e a levar com o solzinho suave pelo rosto.
A parvinha da rapariguinha que trabalhava comigo estava também a olhar pela vidraça, muito entusiasmada como se estivesse a ver um torneiro da bola ou algo assim, estava com tanto sono que não encontrava onde raio estava a excitação do lado de fora daquelas vidraças. Até que, já um bocadinho enervado de a ver aos saltinhos histéricos, me viro para ela:
-“Mas o que raio se passa?”
-“Olha Key, há luta no largo!”
-“Sim mas cala-te…O QUE? LUTA?”
Foi como se tivesse levado um choque, abro logo os olhos mais que consigo e vou à porta da loja.
O rapaz da franja loira estava à trocar ofenças com um tal rapaz que pelo que parecia, era mais cobarde do que ele pois tinha mais 3 capangas a ajudá-lo.
Pensava que a luta era só uma desarmadela de rapazes excitados mas a coisa estava a começar a ficar séria e confesso que me estava a contorcer ali parado a ver os 4 rapazes a avançar para o Jonghyun. Apesar de não gostar dele, temia que os tal rapazões lhe batessem, devia de ser por eles serem grandes e musculados e 4, e o Jonghyun ser apenas 1.
Assim que um deles puxou a mão atrás e lhe mandou um murro na cara, eu não consegui estar parado e corri a separá-los:
-“Neste largo os cobardes espantam-me a clientela, por isso, baza.” Digo eu empurrando o tal rapaz afastando-o do alcance de Jonghyun.
-“O teu queridinho já esta avisado, volta a meter-se connosco e já sabe o que lhe espera!”
-“Nem ele é o meu queridinho, nem vai esperar rigorosamente nada, não aqui, senão garanto que chamo a policia local, 4 contra um? Meu Deus, têm assim tanto medo? Perdem logo o medo a passarem um diazinho na gaiola.”
-“Vai fazer sumos que a nossa conversa já acabou, não já Jonghyunzinho?”
Eu viro-lhes costas, encaminhado o Jonghyun para dentro da loja:
-“Mas será que tu és o rei dos conflitos? Só sabes armar porcaria? Olha para isso, estas a sangrar do lábio!”
Enquanto molhava um paninho para lhe limpar o lábio ele olhava-me surpreendido:
-“Obrigado…”
Passo o pano no lábio dele, reparo que é incrivelmente perfeito, confesso:
-“Para a próxima, tem mais cuidado, digo-to de novo!”
-“Como é que te chamas?”
-“Podes chamar-me Key, sempre é melhor chamares pelo nome que eu gosto do que chamares-me nomes como os de costume!”
-“Porque fizeste aquilo?”
-“Porque não suporto cobardes com mania que têm tomates! O que era o caso!”
-“Mas até te podias juntar a eles, não me digas que não tens vontade de me bater?”
Eu olho-o e começo-me a rir:
-“Ya, por acaso até tenho! Deves criar esse efeito nas pessoas! Jonghyun, não?”
-“Sim, mas podes chamar-me lindão!”
-“Quê? Chamar parvalhão? Naahh não sou assim tão rude! O sumo é de quê mesmo?”
-“O sumo?”
-“Já que me vieste sujar a loja, ao menos podias comprar um sumo não?”
Jonghyun faz uma carinha de inocente que me pareceu familiar:
-“Hmmm…Não sei!”
-“Laranja?”
-“Pode ser, é doce?”
-“Sim, dentro desta loja é tudo doce!” Digo-lhe eu a fazer um sorriso convencido.
-“Não devias de andar na escola? Porque andas a trabalhar?”
-“São opções, eu andava na escola sim, mas decidi sair da escola onde andava, e voltar para aqui!”
-“Voltar? Já moras-te cá?”
-“Sim, em criança. Até aos 5-6 anos, mas depois mudei-me e agora decidi regressar!” Contava eu abertamente ao rapaz que mais me enervava à face da Terra, mas era verdade, ele conseguia arrancar as palavras de mim com uma simplicidade assustadora.
-“E porque voltas-te?”
Tiro o meu olhar dos olhos dele e baixo-o começando a limpar a bancada da loja:
-“Coisas minhas… Anda despacha-te mas é a beber isso, já esta na hora de fechar e eu não tenho a tua vida de andar apenas por aí a passear e a armar confusões…”
Ele levanta-se, pousa o copo ainda meio cheio e crava-me um olhar sério:
-“Que sabes tu da minha vida?”
Põe o dinheiro em cima da bancada, com raiva nos movimentos e saí porta fora.
Por momentos não me movi do mesmo sítio, aquelas palavras soaram-me como gritos cruéis e só me apetecia ir atrás dele e detê-lo para que não fosse embora, para que não me odiasse…
Oh, esquece Key, que mal faz um papagaio de franja amarela, odiar-te?
[Fim do capitulo 2]