Memória Fotográfica
Intro
Se me perguntassem se era feliz, eu diria que era o suficiente para ter todos os dias um sorriso no rosto.
Nunca fui de me esconder no passado, nunca fui de passar os dias a lamentar-me por não ter as sapatilhas novas que queria, por exemplo, ou por não ser o mais popular da escola.
Vivia com os meus tios, não era muito rico, andava numa escola onde era respeitado por uns e gozado por outros, adorado por alguns, odiado por outros tantos…Enfim, era uma rapaz como os outros, um adolescente portanto, e tudo o que isso implica.
Internamente sonhador e cabeça na lua.
Apesar do meu espírito alegre e forte, Não podia negar um bichinho dentro de mim, uma inquietação de curiosidade para conhecer os meus progenitores.
Desde pequenino que os meus tios me tentam explicar de maneira bonita a morte dos meus pais. Mas agora, um semi-homem meio-feito como eu, já tem a perfeita consciência que a morte deles foi injusta, difícil de perceber e quase impossível de aceitar…Aliás, metendo-me naquela altura, naquele episódio, só me dá vontade de mandar uma cabeçada à parede e perguntar “porquê?”
[flashback]
Pequeno Key olhava pela janela do quarto em bicos dos pés, os seus 5 aninhos não lhe davam a altura suficiente para chegar à janela.
-“yeobo, que estás a fazer?”
-“titi, pega ao colinho, menino quer ver o papá e a mamã!”
Key abraçasse ao colinho da titi.
-“Olha salang, vês aquelas duas estrelinhas muito grandes e brilhantes? São elas, o teu papá e a tua mamã.”
-“Porque eles não vêm cá titi? Porquê não brincam com menino às vezes?”
-“Eles não podem meu amor, mas eles estão sempre a olhar por ti, nunca te deixam sozinho.”
-“Porque não podem? Eles são bonitos? Nunca mais vêm visitar?”
Lágrimas dolorosas descem pelo rosto da tia de Key. Sentando-os na cama, agarra-lhe mãozinhas com delicadeza:
-“Meu pequenino, os teus papás eram lindos como tu és, eram muito fortes e corajosos, lutadores e sonhadores, um dia, eles conseguiram concretizar mais um sonho, foram fazer uma viagem de barco…infelizmente salang, uma tempestade manteve para sempre o barco naquelas águas. Os teus papás agora não vivem como nós, vivem num sítio muito seguro.
-“Onde titi?”
A tia de key, com um sorriso puro entre as lágrimas emocionadas, põe uma mão no peitinho do pequeno Key e outra no seu peito:
-“Aqui meu amor, no nosso coração. Anda agora dorme meu herói, amanhã tens que acordar cedo para a escolinha.”
-“Dorme com menino, por favor, eu conto a ti uma história.”
-“Ahah, está bem, chega para lá meu piolho.”
[Fim do flashback]
Sempre me lembro de saber muito pouco sobre tudo. Sabia apenas que a minha mãe era gémea da minha tia e que morreu com o meu pai numa viagem de barco quando eu era um bebé de um ano.
E mais nada… Esse facto revolta-me, queria saber mais sobre eles, poder conhecê-los.
Passara a vida a fazer perguntas das quais não obtinha respostas…Sempre que perguntava à minha tia alguma coisa que envolvesse a minha mãe, era como se uma sombra negra lhe entrasse no corpo e a fizesse querer chorar e gritar…Mas raramente via as lágrimas caírem pelo seu rosto, nem uma palavra saía da sua boca, nada sem ser: “anda Key estás atrasado para a escola!” ou “vá, come e deixa-te de perguntas!” ou “ o passado lá ficou, preocupa-te mas é com o presente!”
Enfim, não a censuro! Numa perspectiva global, é incrível como seres tão pequenos como nós, temos sentimentos tão grandes e poderosos dentro de nós. Bastava-me olhar nos olhos da minha tia e via uma sombra de perda e revolta que ainda não se tinha corado.
Um dia o meu tio chegou a casa com um prémio que tinha ganho num concurso do supermercado. Tínhamos ganho uma viagem com estadia num Hotel de Benidorm em Espanha, “longe à cachaporra!”
Nesse momento não sabia o quanto aquela viagem iria mudar a minha cabeça.
Uma noite daquelas em Benidorm, não aguentava mais ficar no Hotel. Os italianos bêbedos faziam uma festança nos corredores. Peguei no casaco e fui dar uma volta. Pretendia sentar-me por uma esplanada qualquer e comer um gelado ou algo assim, mas os meus pés pareciam que tinham vontade própria e foram caminhando caminhando até ao areal.
O mar estava tremendamente estranho, fazia fileiras de rebentamentos de ondas fortes e barulhentas.
Sentei-me tão perto do mar que a água me molhava um pouco das sapatilhas.
Parecia que o vento que batia forte contra mim com cheiro a mar, trazia consigo um sentimento de vazio que se apoderou do meu corpo.
Ao esconder o rosto entre os joelhos, chorei…muito…como nunca chorei nem imaginara chorar.
Na altura se me perguntassem:
-“Hei? Porque estás a chorar?”
Eu quase de certeza que respondia entre soluços:
-“Não sei…”
Adormeci naquela areia, a olhar aquele mar estranhamente familiar.
Acordei com o nascer do sol.
Os primeiros raios davam um brilho único à água cristalina do calmo mar.
Apesar de estar diferente, conhecia aquele mar da noite passada, a sua bela mudança deu-me uma volta ao espírito e as palavras saiam da minha boca mesmo antes de ter pensado nelas:
-“Vou procurar-vos!”
O pior foi dizer à minha tia a minha decisão, quando lhe contei que tencionava ir à nossa antiga terra, procurar a casa dos meus pais, os amigos, algo que me pudesse dar a conhecer mais sobre os meus pais e o seu passado, a minha tia chorou, e eu não consegui conter as lágrimas, amava-a como um filho ama a sua mãe.
Sair de casa e partir para longe, era para além de uma grande aventura, uma novidade também um pouco difícil, iria sentir a falta dela e do meu tio.
Assim que me sentei no avião ia-me caindo tudo aos pés.
Era verdade, estava sozinho! A caminho de não sei bem onde, algures na Coreia do Sul.
Sim estava um pouco assustado!
Não fazia ideia do que me esperava.
Naquela altura, estava longe de prever o quanto aquela viagem iria mudar a minha vida e a mim mesmo.